24/02/2008

Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzemos
fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos,
no toldo(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

23/02/2008

Não piso a concha


Não piso a concha
abandonada pela onda que o mar trouxe.
Recolho-a e ouço a voz dos tempos
As dores e os amores agarrados às palavras.
Fala-me das ilhas e dos navios
Das janelas dos naufrágios
E das flores marinhas que os acompanharam.
Ali na espuma tudo é transparente
Aflora palavra, a verdade e
Tudo no instante de afagar a concha.
Barco de proa à madrugada
Navego tranqüilo
Sem vírgulas entre as palavras
Porque não há instantes interrompidos.
Na limpidez de uns olhos profundos
Está o mar que sulco
Com uma ave no mastro.

15/02/2008

Estrela do Mar


Numa noite em que o céu tinha um brilho mais forte
E em que o sono parecia disposto a não vir
Fui estender-me na praia, sozinho, ao relento
E ali longe do tempo, acabei por dormir
Acordei com o toque suave de um beijo
E uma cara sardenta encheu-me o olhar
Ainda meio a sonhar perguntei-lhe quem era
Ela riu-se e disse baixinho: Estrela do Mar
"Sou a estrela do mar só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim..."
Não sei se era maior o desejo ou o espanto
Só sei que por instantes deixei de pensar
Uma chama invisível incendiou-me o peito
Qualquer coisa impossível fez-me acreditar
Em silêncio trocamos segredos e abraços
Inscrevemos no espaço um novo alfabeto
Já passaram mil anos sobre o nosso encontro
Mas mil anos são pouco ou nada para estrela do mar
"Estrela do mar
Só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim..."

(Jorge Palma)

09/02/2008

Amor e Areia

Uma mãe e a sua filha estavam caminhando pela praia. Num certo ponto, a menina disse:

- Como se faz para manter um amor?

A mãe olhou para a filha e respondeu:

- Pegue um pouco de areia e feche a mão com força…

A menina assim fez e reparou que quanto mais forte apertava, com mais velocidade a areia escapava entre seus dedos.

- Mamãe, mas assim a areia escapa!!!

- Eu sei, agora abra completamente a mão…

A menina assim fez mas veio um vento forte e levou consigo a areia que restava na sua palma.

- Assim também não consigo mantê-la!

A mãe, sempre a sorrir disse-lhe:

- Agora pegue outra vez num pouco de areia e mantenha na mão semi-aberta como se fosse uma colher… bastante fechada para protegê-la e bastante aberta para lhe dar liberdade.

A menina experimenta e vê que a areia não se escapa da mão e está protegida do vento. E tranquilamente a mãe então responde:

- É assim que se faz durar um amor…

05/02/2008

Moiras


As Moiras, divindades da mitologia grega, são três irmãs que dirigem o movimento das esferas celestes, a harmonia do mundo e a sorte dos mortais.
Elas presidem o destindo (moira, em grego) e dividem entre si as diversas funções:

Cloto, que significa fiar, tece os fios dos destinos humanos;
Láquesis, que significa sorte, põe o fio no fuso;
Átropos, ou seja, inflexível, corta impiedosamente o fio que mede a vida de cada mortal.

Iniciação

Lá onde o infinito faz morada
Lá eu repousei meu coração
Há sempre um caminho nesta estrada
Que me indica a direção
Mas eu vou, eu vou sozinha
Se eu vou, vou mergulhar em mim
Se eu vou, prefiro ir guerreira
A espada preparada pra luta que há em mim
Eu vou me desvendar em mim
Eu vou me traduzir em mim
Eu vou ao reino de Hades
Pra ver nas trevas de onde vem a luz
Eu vou ao lado de Pandora
Vasculhar na caixa o brilho que há em mim
Eu vou nas asas de Ícaro
Dissolvendo o medo que tenho de cair
Eu vou, vou visitar as deusas Moiras
Fiando a minha vida do começo até o fim
Eu vou perguntar ao sábio Quirón
Como eu trato as chagas que há em mim
Eu vou aprender com Teseu
Como se desvenda o labirinto que há em mim
(Tatiana Rocha)

03/02/2008

Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar depois,
abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio debaixo da água
vai morrendo meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
(Cecília Meireles)

02/02/2008

Salve Iemanjá!


Salve Rainha do mar, minha mãe Janaína
Canto à Iemanjá Adolê, Odoyá minha mãe!
Banha o meu corpo, limpa minha alma
Renova meu espírito, me abriga em teu íntimo
Mãe d’água Odoyá!
Bela sereia, deusa de amor e beleza.
Traz-me um amor, um beijo de mar.
Traz pra mim as certezas de um presente próspero,
da saúde do corpo, a leveza da alma
Canta ao meu ouvido, encanta os meus sentidos,
e eu me entrego ao mar
Banha meu corpo, limpa minha alma
Renova meu espírito, me abriga em teu íntimo
Mãe d’água Odoyá.
Canto à Janaína!
Linda donzela, mulher dos sete mares.
Teu porto está nos ares, onde quiser que esteja.
Dá-me segurança, constância e prudência.
Permite um banho de mar ao luar,
Permite na areia da praia eu deitar...
Faz real o meu sonhar Mãe d’água,
Traz amor pra eu amar
Canto a ti Iemanjá!
Adolê, Odoyá mainha!
Salve a Senhora dama,
Salve a Guerreira
Eleita princesa no templo do mar
Adolê, Odoyá!
Agradeço pelo que virá, pois o melhor será
Com a graça e a força de Iemanjá
Rogo a ti Janaína
Adolê, Odoyá!
Minha mãe de alma!

Hojé é dia de Iemanjá!
Senhora dos Navegantes
(02 de fevereiro
)

O Tempo é um Fio


O tempo é um fio bastante frágil.
Um fio fino que à toa escapa
O tempo é um fio.
Tecei! Tecei!
Rendas de bilro com gentileza.
Com mais empenho franças espessas.
Malhas e redes com mais astúcia.
O tempo é um fio que vale muito
franças espessas carregam frutos
Malhas e redes apanham peixes.
O tempo é um fio por entre os dedos.
Escapa o fio, perdeu-se o tempo.
Lá vai o tempo
como um farrapo jogado à toa!
Mas ainda é tempo!
Soltai os potros aos quatro ventos,
mandai os servos de um pólo a outro,
vencei escarpas, dormi nas moitas,
voltai com o tempo que já se foi!...

(Henriqueta Lisboa)