30/01/2008

A Moça Tecelã

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado. Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio do ponto dos sapatos, quando bateram à porta.Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer. Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira. Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu:
— Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela. A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

Marina Colasanti

27/01/2008

Manto de Arlequin


Para envolver teu vulto estranho,
Que me havia fascinado
Com o teu indefinido encanto
Com muita realidade e muita fantasia
Na minha solidão tentei tecer-te um manto
Pacientemente fui tecendo-o noite e dia
Com fios de saudade e pérolas de pranto
Explosões de revolta e chispas de irônia
Não faltaram também nessa tela, entretanto
Losangos formei de cores variadas
Retalhos que colhi, imagens encontradas
Pelos caminhos que andei,
Onde chorei e ri
Não era belo nem rico
São pedaços fragmentos da vida que passou.
Uns pobres pensamentos...
É o manto sem valor que eu compus para ti.


(Lascívia)

26/01/2008

Dia da Bruxa Louca


Na Hungria, da segunda quinzena de novembro até o carnaval, o trabalho no campo terminava e as mulheres passavam a maior parte do tempo fiando e tecendo, normalmente em grupos contando histórias, cantando e brincando.
Mas no dia 13 de dezembro, o Dia da Bruxa Louca, era proibido trabalhar.
Quem o fizesse teria os fios embaraçados, o tear quebrado e tudo perdido.

(Fonte: site
www.hungria.org.br)

Eterno Fiar


Em uma noite de luar, venho a Deusa invocar
Para com magia, auxiliar, e meu bruxedo realizar
Crescente do céu estrelado
Ouça meu encanto recitado
Veja o que me é destinado
No futuro, no presente, no passado
Meu cabelo se trança, m
ovendo-se em minha dança
Minha magia, Oh Senhora, te alcança
Seja como a velha, a mãe, a donzela ou a criança
Eu canto o seu chamado
Senhora do mundo encantado
Deusa Grandiosa, Justa Rainha em seu reinado
Em minha fronte, levo seu símbolo, eternamente cravado
E me sagro á ti, Dama do Luar Prateado
Foi-se a tristeza com o vento
Com o cavalo foi-se o lamento
Pelo poder de meu encantamento
Curo todo e qualquer sofrimento
Reconstituindo a magia em florescimento
Costuro estas palavras em rima
Com perfume de laranja lima
Presencio o poder mágico de um encanto
Cobrindo a noite com o negro manto
E descobrindo a Grande Mãe em seu doce canto
Giro e Giro, sem cessar
Vejo cada estação rodar
Na Roda do Ano, numa noite de luar
Pois sou a bruxa em seu eterno fiar
Fiando seu bruxedo na Arte de amar
(Morgan Le Fay)